Algo que me incomoda nos livros de direito nobiliário é o posicionamento em relação aos filhos bastardos, adotados e ilegítimos. No entanto, assumindo que a heráldica é uma ciência viva e que estas diferenças de filiação são hoje mais comuns do que foram antigamente, temos um problema à discutir. Sem contar que hoje muitas pessoas se interessam pelo assunto dos seus antepassados e possuem em sua linhagem, família nuclear ou em sua própria vida casos como este. Sem contar, obviamente os filhos adotados e ilegítimos que procuram a ciência heráldica através da genealogia e se deparam com leis que os discriminam no presente, assim como o se fez no passado. No âmbito do direito nobiliário, se acredita, segundo o Professor Baroni Santos (1) que na linha sucessória principesca ou de uma tradição familiar, devem ser eliminados os filhos naturais, bastardos, adulterinos, os sacrílegos, assim como os frutos de concubinato. Hoje, toda esta classificação se enquadra nos filhos ilegítimos. Mesmo assim, o autor, nos lembra imediatamente que pelas leis brasileiras do art. 1596 do Código Civil são proibidas quaisquer designações discriminatórias de filiação. Dito isto, colocaria logo que discordo em número gênero e grau do professor no ponto que afirma que esta lei do código civil pode ser ignorada, pois a heráldica é uma ciência independente e internacional. Ora, nenhuma ciência é independente e internacional, todas elas possuem conselhos de ética e discussões sobre o tema. Além do mais, todas as ciências estão submetidas ao conjunto de leis de qualquer país, são estes fatos que impedem o desenvolvimento de pesquisas com células tronco de fetos e clonagem, experimentos e desenvolvimento de enriquecimento de urânio, experimentos sociais como os mostrados no filme “A Onda”. Tiraram a terapia de choque e extinguiram os manicômios. Posto isso, vamos a uma análise histórica da heráldica para filhos ilegítimos em Portugal e Espanha para chegarmos a melhores conclusões. De acordo com o Regimento de Armaria de D. Manuel I de Portugal, a bastardia devia ser representada por uma contrabanda (barra) de sable, chamada de filete na descrição heráldica. Podia-se ainda usar um bastão ou cotica, uma banda com um terço da largura convencional, ou ainda, uma aspa. (2) Já em Espanha, podia-se representar os filhos ilegítimos por um cantão à sinistra. Também é conhecido o uso do elmo à três quartos voltado para sinistra. (3) No entanto, em “Fundamentos de Heráldica (la ciencia del bláson)”, Vicente de Cadeñas y Vicente diz que eram muito raros os sinais de bastardia na heráldica, os motivos que o autor expõe são, basicamente: I. Era comum que o pai da criança se casar com a mãe em seguida o nascimento, legitimando o filho nascido. II. Estes símbolos não eram utilizados quando a linhagem não necessitava de um sucessor com aprovação e legitimação papal. III. A existência de leis apropriadas. Na França, por exemplo, em 1584, um decreto dizia que no caso de uma mulher casada conceber um bastardo, este era assumido por seu marido. No caso de ser solteira, o bastardo podia adotar as armas maternas, mas não herdar seus títulos. Já as leis do direito nobiliário previstas para a transmissão das armas heráldicas, são estas: 1. Bastardos legitimados por monarcas usavam os signos de bastardia sem direito à adoção das armas plenas, a exceção seria se adotasse novas armas, extinguindo as de seu pai para si. 2. Filhos legitimados pelo matrimônio posterior podiam usar os brasões sem brisuras de bastardia. Mesmo com as leis e casos citados acima, Vicente de Cadeñas y Vicente, observa que foram inúmeros os casos de filhos ilegítimos que assumiram títulos de nobreza em Espanha e outros países. No Brasil, os casos mais conhecidos são sem dúvidas os filhos bastardos da Casa Imperial na pessoa de D. Pedro I do Brasil, IV de Portugal. Os filhos ilegítimos, em geral, recebiam doações do pai ou da mãe, e mesmo dos irmãos legítimos, também era comum receberem uma herança diferenciada por meio de testamento. No caso de D. Pedro I, temos um caso semelhante ao item III, no qual o monarca brasileiro engravidou uma mulher casada. Maria Benedita de Castro Canto Melo, esposa de Boaventura Delfim Pereira, o Barão de Sorocaba. O filho nascido foi assumido como legítimo por Boaventura, sendo este recebedor de vários títulos e recompensas com cargos importantes. Notável que tal manobra se deveu para evitar escândalos. D. Pedro I ainda teve outras filhas com D. Domitila De Castro Canto Melo, a Marquesa de Santos, que receberam o sobrenome diferenciado, para distinguirem-se dos legítimos e reconhecimento do pai, nasceu aí o sobrenome Alcântara Brasileiro. Entre estes filhos estava Isabel Maria de Alcântara Brasileira, a Duquesa de Goiás (1824-1898). Maria Isabel de Alcântara Brasileira, a Duquesa do Ceará (1826-1827). E mais outra Maria Isabel de Alcântara Brasileira II, a Condessa de Iguassú (1830-1896). Provas de que estas receberam títulos de nobreza e doações dos pais. Os brasões não estão disponíveis, mas ficou-se claro que, de uma forma ou de outra os bastardos herdavam mais direitos do que se pensa, mesmo em tempos que se acreditava serem os mais severos com tal descendência, embora existissem também aqueles abandonados ou esquecidos. (4) No caso dos filhos adotados o problema é mais recente. Filhos adotados são uma realidade extremamente contemporânea, tanto que a heráldica da península ibérica não teve tempo de abordar o problema. Vicente Cadeñas Y Vicente nos diz que apenas o Reino Unido já pensara na questão e desenvolvera tanto métodos de diferenciação no sistema “marks of candency”, as brisuras. Para os filhos adotados a heráldica inglesa foi a primeira, e até agora única, que empregou-se da distinção de adotados, usa-se uma brisura figurando a união entre o filho e os pais, dois aneletes entrelaçados. No caso de títulos de nobreza, a linhagem não pode ser encabeçada por um filho adotado na presença de filhos biológicos. Em 30 de março de 2004 nos termos de autorização real da Rainha, prevê que os filhos adotados tenham o direito aos títulos de cortesia, i.e. pronomes de tratamento da nobreza (como “Dom” em Portugal, Espanha e Brasil) nos mesmo conformes de seus irmãos, filhos biológicos. (5) Até aqui, ficou claro que a heráldica e o direito nobiliário não são internacionais e independentes, pelo contrário, são submissos à cada país. Vimos que existem distinções de tratamento para filhos ilegítimos e adotados em todos os países, mas que todos os sistemas de discriminação causavam desconforto aos filhos e aos pais. Por fim, sendo o Reino Unido a grande monarquia de referência no mundo moderno, pode-se crer com segurança que estas leis caminham para o igualitarismo, uma vez que a própria Igreja Católica já não prevê diferenças de direitos canônico para os filhos ilegítimos, sendo estes com direito ao batismo como todos os demais, são livres do pecado original. Pelo direito civil, nobiliário, canônico ou universal não se vê mais necessidade de distinção para filhos bastardos. Portanto, recomendaria que o sistema de diferenciação fosse feito como os demais filhos legítimos. Já para os adotados, também recomendaria o mesmo a não ser que por razões pessoais o portador do brasão queira aderir aos dois aneletes entrelaçados. ADENDO: Quando publiquei este artigo fui rapidamente procurado pelo Conde de São João Marcos, Felipe Gabriel de Vasconcelos. Este esclareceu muito prudentemente e apresentou documentos de excelente procedência, que em Portugal os filhos adotados eram como legítimos, recebendo todas as honrarias, tratamentos que seus pais gozam, reforçado este laço quando estes filhos eram legitimados. Cito: "Lofo ferão Nobres, e logo ferão Fidalgos; porque na verdade fómente faõ efpurios, e fómente faõ baftardos, aquelles a quem miferia não deixa abrir azas. Sendo legitimados, ceffa a duvida, e fem controverfia alguma, gozão como legitimos, de toda honra, e nobreza de feus pays." (6) Posto isto, aparentemente Portugal vislumbra o futuro, antes mesmo do Reino Unido e outras monarquias. Acho extremamente válida à postura de Felipe de Vasconcelos. Não se pode permitir que a história e tradição sejam deturpadas e o discurso errado se perpetue. (1) - W. Baroni Santos. “Tratado de Heráldica, Direito Nobiliário”. Vol. IV. Editora Referência. São Paulo. 2008. (2) - Antônio Costa de Albuquerque de Sousa Lara. “A Heráldica e o uso dos apelidos em Portugal”. Revista Hidalguia. Nº 190-191, Ano XXXIII. (3) – Vicente Cadeñas y Vicente. “Fundamentos da Heráldica (La ciência del bláson)”. Editora Hidalguia. Madrid. Espanha. 1994. (4) – Fabiano Vilaça. “A prole bastarda e imperial”. 03/01/2011. Revista de História.com.br. Disponível em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-prole-bastarda-e-imperial acessado em 24/12/2014 às 00h:56min. (5) – Courtesy Titles in United Kingdom. Wikipédia. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Courtesy_titles_in_the_United_Kingdom acessado em 24/12/2014 às 00h:56min. (6) - Antonio de Villas Boas, E Sampayo. Nobiliarchia Portugueza. Tratado da Nobreza Hereditaria, E Política. 1727.
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A “Lei Mental” das Cortes Portuguesas constituíam basicamente um sistema de reversão para a Coroa de títulos de nobreza e fidalguia, inclusive o pronome de tratamento “Dom”, também as armas heráldicas. Para todas estas concessões, inclusive os títulos de nobreza de “juro e herdade”, deviam seguir certa quantidade de quebras de varonia para que este retornasse à posse da Coroa. No entanto, no século XIX e XX, a renovação de títulos se deu muito mais para representação genealógica do que representação por varonia, mesmo assim prevalecendo a “legitimidade canônica e primogenitura”, preferindo sempre o masculino ao feminino, o mais velho ao mais novo. Estes são os princípios básicos de transmissão de direitos nobiliários e heráldicos que Portugal manteve até os dias atuais, somente em 1769 que ocorreu a vinculação dos brasões de armas ao regime de morgadio como “bem de alma”. Fora isto, o restante prevalece de forma mais forte.(1) O sistema de diferenciação pessoal entre trinetos, bisnetos, netos e filhos se dá pelas bricas, instituído no “Regimento de Armaria” de D. Manuel I, hoje regulado pelo Conselho de Nobreza de Portugal regulamentado pelo S.A.R. Dom Duarte Pio de Bragança. Como estamos no Brasil, sob um principado de pretensão “de jure” pelo S.A.I.R. Dom Luiz Gastão de Orleáns e Bragança, primo de S.A.R. Dom Duarte, não se pode adotar tudo que o Conselho de Nobreza de Portugal preveja, a não ser que S.A.I.R. manifeste-se à respeito ou outro membro da Casa Imperial. Por isto, pode-se pensar que a heráldica e sua transmissão deve se basear na localização do armigerado e a época em que este viveu. Por exemplo, quando se encontra um ancestral armigerado em sua árvore genealógica deve-se observar a época em que viveu tal ancestral e se levar em consideração às leis da heráldica da época. Se este ancestral viveu durante a duração das leis presentes no Regimento de Armaria D. Manuel I, em Portugal ou Brasil, é razoável que um brasão seja transmitido mesmo com três gerações femininas, isto é, adotar um brasão do trisavô materno, pai da bisavó, mãe da avó, mãe da mãe. Após a vinda da Família Real para o Brasil e a declaração de independência é necessário procurar as leis que regulamentavam a transmissão de armas. Posto isso e declarado que o Regimento de Armaria é anterior à independência. O sistema de bricas constitui-se em um modo de diferenciação incomum, descrito por muitos heraldistas com “sui generis” e que inspirou outros sistemas com o marks of cadency do College of Arms quando Roger Machado era o segundo homem da heráldica nas Cortes Inglesas.(2) O Sistema consiste nas seguintes leis básicas: 1. O chefe da linhagem, de acordo com os princípios citados no primeiro parágrafo, usa as armas plenas sem diferenciação nenhuma. 2. Aqueles que não são chefes usam as armas com até 4 divisões, esquartelado, com armas de linhagem paterna, materna ou de ambos. 3. Os bastardos usam armas de linhagens à quais pertencem com respectiva quebra de ilegitimidade.(3) Já o sistema de bricas está incluído na segunda lei e se define por cinco casos distintos, são eles: 2.1- Aqueles que adotarem as armas do pai ou avô paterno, e daí para trás por qualquer linha, devem usar uma peça de diferença solta no campo destro do escudo, se este já estiver ocupado, então no meio do chefe (4); 2.2- Aqueles que adotarem as armas do pai ou avó materna e para trás por qualquer linha e para trás, usa-se uma peça solta sobre uma meia-brica; 2.3- Aqueles que adotarem armas da mãe e avô e daí para trás, por qualquer linha, usam como diferença uma peça solta em uma brica; 2.4-Aqueles que adotarem as armas da mãe, de avó materna e um bisavô materno, usam uma peça de diferenciação sobre um coxim ou almofada dentro da brica; 2.5- Aqueles que adotarem as armas da mãe, avó materna, de uma bisavó materna por via de um trisavô materno, usam uma manilha sobre um coxim ou almofada dentro da brica. O Regimento de Armaria ainda traz outras considerações que devem ser seguidas para adoção de brasões, sendo estas: 2.6- As armas esquarteladas ou em palas devem ter no primeiro quartel ou pala as armas com menos quebras de varonia e assim por diante. Mas, se dá a preferência às armas reais, caso exista pertença à tal linhagem; 2.7-O timbre também de ser adotado por via das armas que tem menos quebras de varonia. Todo este sistema foi adotado principalmente após o século XVII, segundo a citação de Antônio Costa de Albuquerque de Sousa Lara: “O desrespeito que se devotou a todo este sistema, a partir sobretudo do século XVII, designadamente pelo uso indistinto da brica para qualquer das situações acima referidas, mostra bem a decadência que se atingiu o ofício da armaria nestas épocas, Porém sempre se praticou a concessão de cartas de armas de sucessão, atribuindo em pleno, em partição, ou em esquartelamento brasões relativos a linhas ascendentes, pelos mais diversos costados.” (5) A casa deste “desrespeito”, pelo menos no Brasil, nos é elucidada pelo Professor Baroni Santos (6), alegando que era costume dos reis de armas do Cartório de Nobreza e Fidalguia fazer a elaboração de brasões conforme a homonímia sem verificar se a pessoa que receberia as armas em questão era ou não pertencendo à família armigerada, sendo tomado o cuidado de acrescentar-se uma diferença para não incorrer na usurpação. Neste tipo de caso, o mais conhecido é sem dúvida a elaboração do brasão de Duque de Caxias que consta uma série de brasões de sobrenomes que este possuía com o acréscimo de uma brica com um farpão para diferenciá-lo. Pode-se concluir que uso das bricas é um sistema muito positivo para a diferenciação pessoal, apenas com o defeito que a quarta geração fica inteiramente com um brasão idêntico, sendo mais apropriado ou a adesão de outra peça de diferenciação somada às da brica ou a mudança de sistema. (1)- Antônio Costa de Albuquerque de Sousa Lara. “A Heráldica e o uso dos apelidos em Portugal”. Revista Hidalguia. Nº 190-191, Ano XXXIII. (2)- Francisco Vasconcelos. “As qualificações da nobreza contemporânea datam da época da expansão”. Instituto Português de Heráldica. Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011. (3)- Esta lei pode ser ignorada, vide: Eduardo D’Castro. “Heráldica e Direito Nobiliário: Filiação Ilegítima, bastardos.” Disponível neste blog, clicando aqui. (4) –“De qualquer linha” quer dizer que tanto faz se o armigerado era da linha materna ou paterna de um ancestral. (5)- Antônio Costa de Albuquerque de Sousa Lara. “A Heráldica e o uso dos apelidos em Portugal”. Revista Hidalguia. Nº 190-191, Ano XXXIII. Página 415. (6)- W. Baroni Santos. “Tratado de Heráldica, Direito Nobiliário”. Vol. IV. Editora Referência. São Paulo. 2008. Em recente debate acerca dos fundadores e Campina Grande na Serra da Borborema, foi usado como argumento à favor de uma visão socialista da história que as famílias de origem indígena, em especial, a do índio Cavalcante(1) (ou Cavalcanti) não tinham registro de genealogia, sendo assim estes descendentes estavam fadados ao esquecimento. Culpa daqueles que somente enalteciam a fundação da cidade Campina Grande por colonos brancos e europeus, cultivando somente estas genealogias. Por isso, se justifica uma história que eleva a importância da presença dos indígenas na Serra da Borborema em detrimento dos colonos aportuguesados. Assim para esta história de cunho social que se faz, é válido que somente se eleve os indígenas como dóceis e inocentes que foram assassinados cruelmente por um europeu sádico. Este argumento não é verdade. Primeiramente deve-se dizer que na serra da Borborema residiam os tapuias (indíos que não falavam tupi) Cariris (Kariri, Carerys, Karyry, Kariry, Kiryry). Os Cariris foram uma grande nação indígena, segundo o Elias Herckmann, nas palavras do Visconde de Taunay. Esta nação se dividia, basicamente entre Cariryjous, governados pelo rei Cara-Cará, Tarairys governados pelo índio Janduy, logo chamados de Janduys. Sendo estes últimos aliados dos holandeses na ocupação da Paraíba, lutando ao lado dos países baixos contra os Portugueses. Estes índios dominavam o uso de armas de fogo e outros apetrechos de guerra que os europeus os davam, inclusive, muito provavelmente já utilizam roupas de algodão e utensílios típicos da cultura ocidental. Sendo contra eles o último resquício de resistência holandesa na Paraíba, foram combatidos na chamada Guerra dos Bárbaros 1687-1697, causando quase uma desocupação total do sertam pelos colonos amedrontados pelos ataques que massacravam o gado, as famílias e punham abaixo os currais fonte de subsistência do povo colono que mais tarde daria origem a Vila Nova da Rainha e, posteriormente, Campina Grande. Noutra ponta, estavam os índios Cariryjous, simplesmente denominados de Cariris pelos registros históricos. Os Cariris, em sua maioria que residiam na Serra da Borborema, pelos relatos, foram rapidamente integrados ao corpo dos colonos pelo batismo, combate e outras formas de dissuasão, inclusive tendo estes índios integrando as linhas dos terços de infantaria de ordenanças, tipo de milícia portuguesa comandada por capitães-mores. Posteriormente, estes se instalaram na região que hoje é Esperança. Entre os índios Tarairys (Tarairiús), estava outra tribos, a dos índios Ariús, na qual figurava o índio Cavalcanti, descrito como “(...) era principal um Tapuia de muito boa traça e muito fiel chamado Cavalcanti (...)” (2). Cavalcanti, que assim se chamava por ser batizado (IHGP, 2000), também era aliado do Capitão-mor Teodósio de Oliveira Lêdo. Segundo o ciclo de debates dos 500 anos do Brasil no Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, consta ainda: “O cacique dos ariús chamava-se Cavalcanti porque já era batizado, e os próprios índios de sua tribo passaram a se denominar de cavalcantis. Os cavalcantis ficaram no centro de Campina Grande, enquanto os cariris ficaram na região de Esperança” (IHGP: 2000). (4) Diante destes fatos, temos a gênese do sobrenome Cavalcante na Serra da Borborema. É provável que a grande maioria dos detentores deste sobrenome na Paraíba não sejam descendentes diretos do Cacique Cavalcante, mas com grandes chances de serem descendentes de integrantes de sua tribo, assim, ficam explicadas as diferenças fenotípicas e genotípicas na aparência das pessoas que possuem este sobrenome, mas residem na mesma cidade e circunvizinhanças. Não se sabe, ainda, quem teria sido o provedor do sobrenome Cavalcante ao cacique Ariú. Pode-se especular ainda que se trate não de um nome de origem patronímica, mas como explica Virginio Mantesso (3), um sobrenome com origem de alcunha, isto é, também é provável que o indígena em questão possuísse cavalos ou soubesse cavalgar, o que seria um fato que demonstraria riqueza e grande habilidade, sendo assim Cavalcante poderia ter-se originado de Cavalgante, i.e. “que anda à cavalo”. Fazendo, ainda uma nova ligação entre os indígenas e os portugueses, existem várias famílias com este nome em Campina Grande. No entanto, muitas delas possuem origens registradas, porém recentes. Isto quer dizer que, embora existam Capitães-Mores e outros Patriarcas fundadores das famílias, não necessariamente estes fatos excluam a presença de indígenas em suas genealogias. Na sua maioria os registros não registram a etnia das partes em um matrimônio. Vale salientar que "português" era todo aquele que havia nascido no Brasil antes de 1824, ou que posteriormente fosse um lealista à Coroa Portuguesa. A conclusão que se chega, com facilidade, é que os indígenas da Serra da Borborema se alternaram entre Cariris e Ariús, além disso, sua figura está muito distante do indígena docilizado e disciplinado pelo português. O indígena não foi na história de Campina Grande e da Paraíba um agente passivo, pelo contrário, com a chegada dos Portugueses e Holandeses, fez alianças, influenciou na política da colônia, guerreou, dominou novas tecnologias trazidas do velho mundo e ensinou a geografia do Cariri, à defender-se dos perigos do clima e vegetação. O indígena miscigenou-se com o português, assimilou sua cultura com a europeia, dando origem à cultura e tradição do povo da Serra da Borborema, atual Campina Grande. A ideia de que as tribos aqui residentes foram massacradas por razões étnicas é, pelo menos, irresponsável e apressada, não se pode dizer que houve embates entre brancos e índios, na verdade houve embates entre grupos que aderiram à criação de gado como subsistência, à fé católica, à lealdade ao rei D. Pedro II de Portugal, à autoridade do Juiz de Paz e dos Capitães-Mores, contra o grupo que aderiu a cana de açúcar da Companhia Holandesa das Índias Orientais (W.I.C) e todo aparato jurisdicional e hierárquico que os holandeses traziam consigo. Assim, o embate era entre um Brasil primitivo que se dividia entre partidários dos holandeses (Janduís) e partidários de Portugal (Cavalcantis). Este tipo de explicação se reafirma pela hipótese de Antônio Pereira de Almeida que diz claramente: “Talvez os Oliveira Lêdo, assim tinham se comportado, empuxados pelas forças de atração do grande cabo de Guerra que, com eles teriam mantido relações de comando, nos exércitos de Libertação de Pernambuco. Arrimados no prestígio fascinante de André Vidal de Negreiros, venceram os Oliveira Lêdo às grimpas da Borborema e do viso da serra, a poucos passos, chegaram à terra de grande contraste – o Carirí.” (PEREIRA, 1989) (5) Lembrando que a primeira data requerida pelos Oliveira Lêdo era vizinha à data de Vidal de Negreiros. Pode-se dizer que é possível que Teodósio de Oliveira Lêdo e o “boa traça e muito fiel” Cavalcante fossem uma dupla de combate, irmãos de armas, muito semelhante à história heroica de André Vidal de Negreiros e Felipe Camarão, o índio poti. Faltando-lhes somente Fernandes Vieira e Henriques Dias para completar a gênese miscigenada e heroica da Serra da Borborema e de Campina Grande. NOTAS DO TEXTO: (1) – A grafia de Cavalcanti com “K” é errada, imaginada como denominação da língua tapuia, no entanto é mais provável que seja um nome adquirido pelo batismo. Era costume que os nomes dos índios fossem mudados para o nome de seus padrinhos de batismo, inclusive seus sobrenomes. De outra forma, os nomes eram homenagens aos Anjos, Santos e outras representações litúrgicas, como a princesa Arco-Verde que foi batizada Maria do Espírito Santo Arco-Verde, casada com Jerônimo Albuquerque. (2) – Transcrição feita por Wilson Seixas em “A Carta do Governador Manoel Soares Albergaria”. In: Revistado Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Nº 16, João Pessoa, 1968, p.57/8. (3) – Entrevista concedida por Virginio Mantesso Neto ao programa “A tarde é sua”, disponível em www.imigracaoitaliana.com.br , acessado em acessado em 23/12/2014 às 23h:46min. (4) – Retalhos Históricos de Campina Grande, disponível em http://cgretalhos.blogspot.com.br/2012/03/irineu-joffily-e-suas-raizes.html#.VJgzeV4Cbo , acessado em 23/12/2014 às 23h:46min. (5) - “Os Oliveira Lêdo – De Teodósio de Oliveira Lêdo à Agassiz Pereira de Almeida” vol. 1. |
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