Em recente debate acerca dos fundadores e Campina Grande na Serra da Borborema, foi usado como argumento à favor de uma visão socialista da história que as famílias de origem indígena, em especial, a do índio Cavalcante(1) (ou Cavalcanti) não tinham registro de genealogia, sendo assim estes descendentes estavam fadados ao esquecimento. Culpa daqueles que somente enalteciam a fundação da cidade Campina Grande por colonos brancos e europeus, cultivando somente estas genealogias. Por isso, se justifica uma história que eleva a importância da presença dos indígenas na Serra da Borborema em detrimento dos colonos aportuguesados. Assim para esta história de cunho social que se faz, é válido que somente se eleve os indígenas como dóceis e inocentes que foram assassinados cruelmente por um europeu sádico. Este argumento não é verdade. Primeiramente deve-se dizer que na serra da Borborema residiam os tapuias (indíos que não falavam tupi) Cariris (Kariri, Carerys, Karyry, Kariry, Kiryry). Os Cariris foram uma grande nação indígena, segundo o Elias Herckmann, nas palavras do Visconde de Taunay. Esta nação se dividia, basicamente entre Cariryjous, governados pelo rei Cara-Cará, Tarairys governados pelo índio Janduy, logo chamados de Janduys. Sendo estes últimos aliados dos holandeses na ocupação da Paraíba, lutando ao lado dos países baixos contra os Portugueses. Estes índios dominavam o uso de armas de fogo e outros apetrechos de guerra que os europeus os davam, inclusive, muito provavelmente já utilizam roupas de algodão e utensílios típicos da cultura ocidental. Sendo contra eles o último resquício de resistência holandesa na Paraíba, foram combatidos na chamada Guerra dos Bárbaros 1687-1697, causando quase uma desocupação total do sertam pelos colonos amedrontados pelos ataques que massacravam o gado, as famílias e punham abaixo os currais fonte de subsistência do povo colono que mais tarde daria origem a Vila Nova da Rainha e, posteriormente, Campina Grande. Noutra ponta, estavam os índios Cariryjous, simplesmente denominados de Cariris pelos registros históricos. Os Cariris, em sua maioria que residiam na Serra da Borborema, pelos relatos, foram rapidamente integrados ao corpo dos colonos pelo batismo, combate e outras formas de dissuasão, inclusive tendo estes índios integrando as linhas dos terços de infantaria de ordenanças, tipo de milícia portuguesa comandada por capitães-mores. Posteriormente, estes se instalaram na região que hoje é Esperança. Entre os índios Tarairys (Tarairiús), estava outra tribos, a dos índios Ariús, na qual figurava o índio Cavalcanti, descrito como “(...) era principal um Tapuia de muito boa traça e muito fiel chamado Cavalcanti (...)” (2). Cavalcanti, que assim se chamava por ser batizado (IHGP, 2000), também era aliado do Capitão-mor Teodósio de Oliveira Lêdo. Segundo o ciclo de debates dos 500 anos do Brasil no Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, consta ainda: “O cacique dos ariús chamava-se Cavalcanti porque já era batizado, e os próprios índios de sua tribo passaram a se denominar de cavalcantis. Os cavalcantis ficaram no centro de Campina Grande, enquanto os cariris ficaram na região de Esperança” (IHGP: 2000). (4) Diante destes fatos, temos a gênese do sobrenome Cavalcante na Serra da Borborema. É provável que a grande maioria dos detentores deste sobrenome na Paraíba não sejam descendentes diretos do Cacique Cavalcante, mas com grandes chances de serem descendentes de integrantes de sua tribo, assim, ficam explicadas as diferenças fenotípicas e genotípicas na aparência das pessoas que possuem este sobrenome, mas residem na mesma cidade e circunvizinhanças. Não se sabe, ainda, quem teria sido o provedor do sobrenome Cavalcante ao cacique Ariú. Pode-se especular ainda que se trate não de um nome de origem patronímica, mas como explica Virginio Mantesso (3), um sobrenome com origem de alcunha, isto é, também é provável que o indígena em questão possuísse cavalos ou soubesse cavalgar, o que seria um fato que demonstraria riqueza e grande habilidade, sendo assim Cavalcante poderia ter-se originado de Cavalgante, i.e. “que anda à cavalo”. Fazendo, ainda uma nova ligação entre os indígenas e os portugueses, existem várias famílias com este nome em Campina Grande. No entanto, muitas delas possuem origens registradas, porém recentes. Isto quer dizer que, embora existam Capitães-Mores e outros Patriarcas fundadores das famílias, não necessariamente estes fatos excluam a presença de indígenas em suas genealogias. Na sua maioria os registros não registram a etnia das partes em um matrimônio. Vale salientar que "português" era todo aquele que havia nascido no Brasil antes de 1824, ou que posteriormente fosse um lealista à Coroa Portuguesa. A conclusão que se chega, com facilidade, é que os indígenas da Serra da Borborema se alternaram entre Cariris e Ariús, além disso, sua figura está muito distante do indígena docilizado e disciplinado pelo português. O indígena não foi na história de Campina Grande e da Paraíba um agente passivo, pelo contrário, com a chegada dos Portugueses e Holandeses, fez alianças, influenciou na política da colônia, guerreou, dominou novas tecnologias trazidas do velho mundo e ensinou a geografia do Cariri, à defender-se dos perigos do clima e vegetação. O indígena miscigenou-se com o português, assimilou sua cultura com a europeia, dando origem à cultura e tradição do povo da Serra da Borborema, atual Campina Grande. A ideia de que as tribos aqui residentes foram massacradas por razões étnicas é, pelo menos, irresponsável e apressada, não se pode dizer que houve embates entre brancos e índios, na verdade houve embates entre grupos que aderiram à criação de gado como subsistência, à fé católica, à lealdade ao rei D. Pedro II de Portugal, à autoridade do Juiz de Paz e dos Capitães-Mores, contra o grupo que aderiu a cana de açúcar da Companhia Holandesa das Índias Orientais (W.I.C) e todo aparato jurisdicional e hierárquico que os holandeses traziam consigo. Assim, o embate era entre um Brasil primitivo que se dividia entre partidários dos holandeses (Janduís) e partidários de Portugal (Cavalcantis). Este tipo de explicação se reafirma pela hipótese de Antônio Pereira de Almeida que diz claramente: “Talvez os Oliveira Lêdo, assim tinham se comportado, empuxados pelas forças de atração do grande cabo de Guerra que, com eles teriam mantido relações de comando, nos exércitos de Libertação de Pernambuco. Arrimados no prestígio fascinante de André Vidal de Negreiros, venceram os Oliveira Lêdo às grimpas da Borborema e do viso da serra, a poucos passos, chegaram à terra de grande contraste – o Carirí.” (PEREIRA, 1989) (5) Lembrando que a primeira data requerida pelos Oliveira Lêdo era vizinha à data de Vidal de Negreiros. Pode-se dizer que é possível que Teodósio de Oliveira Lêdo e o “boa traça e muito fiel” Cavalcante fossem uma dupla de combate, irmãos de armas, muito semelhante à história heroica de André Vidal de Negreiros e Felipe Camarão, o índio poti. Faltando-lhes somente Fernandes Vieira e Henriques Dias para completar a gênese miscigenada e heroica da Serra da Borborema e de Campina Grande. NOTAS DO TEXTO: (1) – A grafia de Cavalcanti com “K” é errada, imaginada como denominação da língua tapuia, no entanto é mais provável que seja um nome adquirido pelo batismo. Era costume que os nomes dos índios fossem mudados para o nome de seus padrinhos de batismo, inclusive seus sobrenomes. De outra forma, os nomes eram homenagens aos Anjos, Santos e outras representações litúrgicas, como a princesa Arco-Verde que foi batizada Maria do Espírito Santo Arco-Verde, casada com Jerônimo Albuquerque. (2) – Transcrição feita por Wilson Seixas em “A Carta do Governador Manoel Soares Albergaria”. In: Revistado Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Nº 16, João Pessoa, 1968, p.57/8. (3) – Entrevista concedida por Virginio Mantesso Neto ao programa “A tarde é sua”, disponível em www.imigracaoitaliana.com.br , acessado em acessado em 23/12/2014 às 23h:46min. (4) – Retalhos Históricos de Campina Grande, disponível em http://cgretalhos.blogspot.com.br/2012/03/irineu-joffily-e-suas-raizes.html#.VJgzeV4Cbo , acessado em 23/12/2014 às 23h:46min. (5) - “Os Oliveira Lêdo – De Teodósio de Oliveira Lêdo à Agassiz Pereira de Almeida” vol. 1.
1 Comment
Clara Castelar
8/9/2016 11:06:03 am
Embora fosse comum entre invasores europeus, o etnocidio practicado por quem tinha uma tecnologia superior foi exatamente o que houve no Brasil. A exterminacao em massa dos povos indigenas,para que os europes pudessem se apoderar de suas terras, a escravisacao de indigenas, sua expulsao para missoes e aldeias sao coisas que nao se pode negar. Nao creio que a questao seja se os indios foram doceis ou nao. A questao e que a igreja e o governo portugues fecharam aos olhos ao etnocidio pois lhes trouxe beneficio material. A verdade nem sempre e' prazivel. Mesmo assim, e' inegavel.
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